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Exagerada estrutura do Poder Judiciário contribui para o atraso do Brasil – Por José Jácomo Gimenes

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, declarou, em recente seminário, que o “Estado brasileiro joga todo mundo para a marginalidade”[1]. Na oportunidade, o ministro falava da exagerada burocracia estatal e da necessidade de investir em transparência e comunicação para resolver o problema. O reconhecimento dessa grave distorção pelo ministro presidente é alvissareira e pede abertura de amplo debate crítico sobre o problema.

A exagerada burocracia reinante em nosso país tem sido denunciada e destacada há muitos anos. Já registramos na ConJur que: “O Brasil é um país muito burocrático. Conforme última versão de pesquisa feita pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa a calamitosa posição de 123º, de um total de 190 países, no ranking de burocracias para abrir e fechar uma empresa, obter licenças de operação, construção, pagar tributos e outras formalidades. O excesso de burocracia prejudica os processos decisórios, a produtividade do país, expansão econômica, geração de empregos e ganhos sociais. Nesse espaço disfuncional da burocracia vicejam oligopólios, intermediários, despachantes, parasitismo e corrupção, aumentando o famigerado ‘custo Brasil’”[2].

Mas é necessário alargar o debate. O Estado brasileiro é formado pelo Legislativo, Executivo e Judiciário. O problema da burocracia não está só no Executivo. O Judiciário tem sido motivo de atrasos, insegurança jurídica e dependência doentia. O ministro Gilmar Mendes tem apontado o grave problema. Em recente palestra, explicou que “nos tornamos, e isto é um problema, um país judiciário-dependente”. Voltou a defender “desjudicialização” e que os integrantes do Judiciário se tornem “menos decisórios, menos impositivos, mais humildes”[3]. O ministro Roberto Barroso também tem reiteradamente criticado a colossal estrutura do Judiciário e a exagerada competência do Supremo[4].

Distorção estrutural é patologia grave. No Judiciário, propaga-se por todo sistema, influenciando na produtividade das instâncias inferiores, dependentes de jurisprudência consolidada. Por ser um grave problema nacional, deve ser debatido sem paixões, interesses particulares e enfrentado com elevado espírito público. Apesar da importância estrutural, o tema, ao que parece, não tem atraído a atenção que merece da academia.

A trava maior do Poder Judiciário é a sua estrutura exagerada, extremamente repetitiva, construída pela Constituição de 1988 em quatro instâncias de julgamento, permitindo dezenas de recursos processuais, insustáveis protelações e insegurança jurídica, modelo incompatível com as exigências da modernidade, gerando acúmulo de absurdo estoque de mais de 80 milhões de processos, lentidão e muita injustiça. Nos Juizados Especiais Federais, que deveriam ser muito mais simples, paradoxalmente, a estrutura decisória pode chegar a cinco instâncias (juízo local, turma estadual, turma regional, turma nacional e STF).

Nessa estrutura desmedida, destaca-se a disparatada competência processual do Supremo Tribunal Federal, funcionando como corte constitucional, corte de instrução de processos especiais e quarta instância de milhares de recursos subjetivos, provocando uma dependência desastrosa para as três instâncias inferiores, apresentando-se como outra mítica jabuticaba a coroar a deficiência do sistema judicial.

Para enfrentar um risível estoque de quase 80 mil processos, a suprema corte foi dividida em duas turmas e alargado o poder de decisões monocráticas dos ministros. A estratégia, descurando a importância de decisões plenárias, ampliou as divergências entre turmas e milhares de decisões monocráticas dos ministros, gerando mais insegurança, desconfiança, ilegitimidades e perplexidade nacional.

Inviabilizado pelo excesso de processos, o Supremo adotou um tipo de julgamento por decurso de prazo, o chamado julgamento virtual, contabilizando voto do ministro que não se pronunciou, em prazo semanal, a favor do relator, lembrando o decreto-lei da ditadura. Um procedimento incompatível com os costumes das supremas cortes do mundo civilizado. Resultado: o Plenário do Supremo, durante a presidência de Cármen Lúcia (2016/2018), julgou 615 processos em sessões presenciais e 4.598 em sessões virtuais[5]. O Supremo virou um tribunal virtual.

O STJ, o importante tribunal nacional da Justiça comum, participa da lentidão geral do sistema. A disfuncionalidade, nesse ponto, é que o STJ, em terceiro julgamento, não resolve definitivamente os processos que passam pelos seus computadores, pois só julga questões com relação às leis ordinárias. Os casos subjetivos que envolvem questões constitucionais podem ser levados para um quarto julgamento no Supremo, retardando ainda mais a consolidação de jurisprudência.

O mundo judicial que nos cerca indica com clareza que estamos no caminho errado, que é necessário uma simplificação do Judiciário. O Portal Europeu da Justiça mostra que nas democracias o padrão é, no máximo, de três instâncias de julgamentos para os processos subjetivos, ficando para a corte constitucional somente o controle concentrado da constitucionalidade de normas e jurisprudência. O Brasil, com tantas ineficiências acumuladas, que tanto necessita de conclusões jurídicas urgentes, paradoxalmente, adota um sistema de quatro instâncias, repetitivo, inseguro, impróprio para a atualidade e injusto com os cidadãos pela demora.

Paralelo a esta monumental estrutura judicial repetitiva, acomodada em quatro estágios, funcionam outras estruturas acompanhantes: Ministério Público, procuradorias e defensorias públicas federais, estaduais e municipais, advocacia privada e assessorias, engrossando o custo operacional da lenta maquinaria. Para alimentar esse gigantismo judicial, que gera excelentes salários públicos e respeitáveis honorários, o Brasil já bateu o recorde isolado de 1,5 mil faculdades de Direito, enquanto os Estados Unidos contabilizam 237[6], uma corrida que não se vê em nenhum país do mundo.

É induvidoso que o Poder Judiciário, além das reformas infraconstitucionais tanto propagadas, necessita de urgente reforma estrutural, constitucional, centrada na diminuição da competência do Supremo e tribunais superiores, para questões objetivas de interesse nacional e redução de instâncias para os processos subjetivos. Como muito bem explicou o ministro Luis Roberto Barroso na entrevista “Precisamos fazer uma revolução no modo como o Judiciário funciona”, ao jornal O Estado de S. Paulo (4/9/2016). Destacou: “É preciso criar uma cultura de que o devido processo legal se realiza em dois graus de jurisdição, o primeiro e o segundo”[7].

Por fim, não deve deixar de ser considerado o problema de ordem financeira. Estatísticas indicam que o sistema judicial brasileiro, incluindo Ministério Público, tem consumido em despesas percentual elevado do PIB (1,8%), muito superior ao gasto por democracias desenvolvidas (França, Itália, Inglaterra, Alemanha e Portugal, entre 0,2% a 0,37%[8]), sem entretanto resolver o mal da lentidão e acúmulo de processos, indicando também que o aparelho judicial precisa ser racionalizado e redimensionado.

Esse é o quadro que permite clamar por uma reforma estrutural do Judiciário, começando pela drástica redução da competência do Supremo e conclusão dos processos subjetivos na terceira instância. O sistema judicial atual, burocrático e lento, é uma zona de conforto e poder para uns poucos, mas o Brasil é muito mais e não pode ser prisioneiro de uma doentia dependência do Judiciário.

O Supremo precisa ser libertado desta descomunal carga de processos, competências e poder. O Supremo precisa cumprir a sua fundamental função de corte constitucional com tranquilidade e muito mais rapidez. O Supremo precisa concentrar sua atuação nas questões nacionais objetivas, decidindo pelo Plenário sobre a constitucionalidade de leis e jurisprudências, pacificando a nação para o progresso.

O histórico estado de insuficiência do Judiciário, sufocado de processos e ritos repetitivos, pede atitude dos operadores do Direito. O momento especial que estamos passando, pleno de consciência sobre a necessidade de mudanças estruturais, é apropriado para debate desse grave problema nacional. Esse processo de mudança precisa de protagonismo do Supremo e apoio da academia jurídica. Com a palavra, os juristas.

[1] https://www.conjur.com.br/2019-jan-07/estado-brasileiro-joga-todo-mundo-marginalidade-toffoli
[2] https://www.conjur.com.br/2017-fev-03/jose-gimenes-estrutura-colossal-judiciario-burocratiza-brasil
[3] https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nos-tornamos-um-pais-judiciario-dependente-diz-gilmar-mendes,70002582065
[4] https://www.conjur.com.br/2018-fev-23/artigo-barroso-defende-papel-iluminista-stf
[5] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luisfranciscocarvalhofilho/2019/01/sobre-advogados-e-hamburgueres.shtml
[6] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luisfranciscocarvalhofilho/2019/01/sobre-advogados-e-hamburgueres.shtml
[7] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/nos-precisamos-fazer-uma-revolucao-no-modo-como-o-judiciario-funciona-diz-ministro-luis-roberto-barroso
[8] http://justificando.cartacapital.com.br/2017/05/15/judiciario-brasil-custa-mais-caro-e-tem-menos-juizes-que-alemanha


José Jácomo Gimenes é juiz federal no Paraná e ex-professor do Departamento de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá (PR).



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LINK DA NOTÍCIA:Exagerada estrutura do Poder Judiciário contribui para o atraso do Brasil – Por José Jácomo Gimenes
FONTE: PAINEL POLÍTICO

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Publicado por » Danny Bueno

Especializado em Jornalismo Político e Investigativo. Está radicado nos Estados de Mato Grosso e Rondônia, construiu a carreira trabalhando para sites, jornais e emissoras de TV de Mato Grosso e Rondônia. É assessor de imprensa, é roteirista, produtor de eventos, compositor, editor de conteúdo, relações públicas, analista político e de marketing social. É filiado à ABRAJI - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. (http://portaldosjornalistas.com.br/jornalista/danny-bueno)

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